domingo, 3 de junho de 2012

Menino Anjo

Um pouco do primeiro capítulo.

Irresponsabilidade.

A festa, regada a churrasco, muita cerveja e vodka, estivera animada durante todo aquele domingo, em comemoração ao aniversário de dezenove anos de Marcelo, que convidara toda sua galera. Não eram tantos jovens assim: doze no total. O mais velho, Luis Fernando, de vinte e um anos; o mais novo, Ricardo, de quinze. Porem alem deles, também estava presente a mãe, Isadora e a irmã Jaqueline, de vinte e quatro anos, com o filho Regis, de apenas nove anos.
Com isto, quase final de dia, cerca de quatro horas da tarde, todos os jovens, embriagados, resolveram se refrescar no açude do Peçanha, que fica quase ali, a pouco mais de quinhentos metros.
O menino Regis, apesar de única criança no grupo, pediu permissão à mãe e acompanhou os amigos e tio Marcelo nessa refrescante aventura. Nem se sabe se os rapazes tomaram consciência de tal presença tão insignificante para um grupo aventureiro como eram e lá se foram para os deliciosos saltos da altura de quatro metros, de cima de uma enorme pedra, caindo de mergulho nas águas profundas de tal local, quase deserto para o horário de verão do mês quente de Janeiro.
Era certo que todos estavam embriagados; porem, depois de alguns mergulhos, a tensão alcoólica diminui e a memória volta a quase normalidade, então Marcelo se lembrou de perguntar:
— Ricardo, você viu Regis?
Só então, todos se lembraram que Regis, estavam com eles e o susto da falta do menino, fez com que, a bebedeira sarasse totalmente em questão de segundos. Alguma coisa, talvez muito grave devesse ter acontecido com a criança e como o local era de sua paixão, enquanto Leonardo, com telefone celular, discava um nove três, os demais caíram na água em gritaria e busca desesperada pelo menino desaparecido.
Menos de cinco minutos depois, a ambulância vermelha do grupo de bombeiros, chegava pela estrada de terra, que dava acesso a tal local e exatamente nesse momento, Juan Carlos, de dezesseis anos, levantava da água, trazendo consigo, inerte, o corpo do inocente Regis.
Entregue aos cuidados dos paramédicos, o menino passava imediatamente pelos primeiros socorros, em tentativa desesperada de fazê-lo voltar a seu estado consciente, através de massagem cardíaca, respiração artificial e movimentos com os membros superiores e inferiores. Regis porem, talvez tivesse passado muito tempo sob as águas e não estava reagindo aos primeiros socorros.
Os bombeiros colocaram o menino sobre uma maca e ainda com paramédico manipulando os cuidados, foi colocado sobre a ambulância e levado à Santa casa de Misericórdia, aproximadamente cinco quilômetros de distância.
Chegando ao hospital, como já fôra informado pelo rádio, teve seu pronto atendimento efetuado com emergência, onde o médico de plantão não precisou de mais que alguns segundos para informar a triste notícia: Regis, um menino bonito, branco, de cabelos lisos escuros e olhos castanhos, apenas nove anos de vida terrena, trajando apenas uma cuequinha preta, estava morto.
Esta triste nota fôra passada com certa naturalidade, pelo pessoal do hospital à mãe e tio de Regis, que acabavam de chegar ao local, em carro da própria Jaqueline, que então caia ao chão, em choro desesperador, vômito e acabando por desmaiar, precisando também ser socorrida.
Para o hospital, acontecimentos assim às vezes poderiam ser até rotina, mas para uma jovem mãe, já abandonada pelo marido, perder desta trágica maneira, o único filho, tão pequeno, era a coisa mais cruel que a vida poderia lhe proporcionar, neste nosso mundo ingrato.
Ainda deitado sobre a mesa hospitalar, antes de ser encaminhado ao i eme éle, o corpinho inerte do pequeno anjo, até parecia dormir tranquilo. Mas como dormir tão cedo? Pouco mais de cinco horas da tarde de um domingo que teria sido muito alegre e quente. Acho que ainda não era hora e então, aos poucos, Regis voltava a respirar devagar e estando sozinho em mesa fria, conseguiu abrir os olhinhos, tossiu um pouco, vomitou um tanto da água que engolira no açude, depois, pouco assustado, se levantou devagar, saindo caminhando em busca de alguém que pudesse lhe amparar.
Sem noção de caminho, o menino seguiu por um longo e deserto corredor, passando por uma placa que dizia: geriatria. Entrou em um dos quartos e encontrou um homem bem velho, talvez uns oitenta anos, deitado sobre uma cama, praticamente agonizando em leito de morte, com alguns aparelhos ligados a seu corpo.
Regis, muito sério, olhou para o homem, que, acordado, parecia lhe pedir algo, então olhou para os equipamentos e se aproximou devagar; fez um leve gesto com o canto esquerdo da boca, colocou a mão direita sobre a fronte do homem, deslizando-a sobre seu rosto e pausando-a sobre seu peito. Aquele homem cansado esboçou um leve sorriso e fechou seus olhos.
Um espectro se levantou daquele corpo inerte e caminhou pelo quarto a encontro de outro Regis, a qual talvez devo chamar de anjo Regis, que, com leve sorriso, o recebeu para uma outra vida, diferente da que estava vivendo. Mas Regis não poderia ser anjo, pois estava muito bem vivo, embora tivesse passado muito tempo em estado inconsciente.
O menino deixou aquele quarto, voltando a caminhar pelo corredor, parando na porta fechada de outro quarto, onde podia se ouvir nitidamente, um gemido doloroso de um ser humano em leito moribundo. Lentamente abriu aquela porta e mesmo sem pedir licença, adentrou àquele quarto triste, onde outro homem, de seus mais de noventa anos de idade, respirando por uma máquina barulhenta, parecia lhe pedir para tirar daquele local infernal. A morte pode nos parecer algo muito cruel e triste, mas quando a vida já não nos convém, talvez a paz e saúde espiritual, só seja possível, através de uma passagem sem retorno.

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